O traje e o valor da beleza

O traje e o valor da beleza

do: Dr. Plinio: Cultura e Civilização Cristãs

Se perguntarmos às pessoas que passam pela rua qual a razão de ser do traje, a grande maioria ficará um tanto espantada com a indagação, mostrar-se-á hesitante, acabando por dar uma resposta vaga e imprecisa.
Estamos diante de um paradoxo, pois se questionarmos os mesmos transeuntes a respeito de outras coisas, saberão o que dizer. Por exemplo, sobre a utilidade de um microfone, afirmarão servir para a ampliação do som ou eventual gravação. Uma cadeira? "Para sentar". Um automóvel? "Para transporte". Um lustre? "Para iluminar". Um garfo? "Para comer", e assim multiplicaríamos os exemplos. Entretanto, quando o assunto é o traje, a pessoa indagada tem a sensação de que não está dizendo tudo, e por isso manifesta certa vacilação.

Predomínio do materialismo

Examinando a fundo a causa dessa indecisão, percebe-se este fato: sempre que o homem de hoje é convidado a se exprimir acerca da razão de ser de algo cuja utilidade é evidente, ele o faz com facilidade. Porém, complica-se quando o valor do objeto em questão é mais espiritual do que material. Assim, perguntado sobre o porquê de se colocar quadros decorativos em determinado tipo de casa comercial ou restaurantes de luxo, observará: "Para atrair fregueses".
Ele aponta o aspecto argentário da pintura, mas não entende a sua finalidade superior, isto é, a utilidade que ela traz para a alma em condições de apreciá-la.
Infelizmente, o homem moderno – mesmo crendo em Deus e na imortalidade da alma – acha-se encharcado de materialismo, e por isso não alcança explicar o significado espiritual daquilo que o cerca. Desse modo se constata como a civilização materialista diminui, apequena os horizontes, subtraindo aos homens o conhecimento mais elevado de uma série de coisas pelo seu aspecto espiritual, entre elas o traje.

As belezas do universo nos preparam para a visão beatífica

Retomemos, então, o exemplo do quadro. Qual a razão de ser de uma pintura que represente, digamos, o Pão de Açúcar em sua forma ao mesmo tempo grandiosa e graciosa, com o lindo reflexo do enorme rochedo espelhando-se nas águas da Baía de Guanabara?
Alguém dirá: "Não vejo razão. Serve apenas para descansar o espírito e distrair."
Ora, se fosse só esta sua finalidade, já teria muita razão de ser. Pois se uma cama é útil porque descansa o corpo, tanto mais o será aquilo que alivia o espírito, superior à matéria. Se ninguém negaria o vantajoso da cama, por que contestar o de um quadro numa casa? É o repouso do espírito, como também o adorno e embelezamento do ambiente no qual é colocado.
Passemos do quadro para um exemplo mais vivo. Imaginemos uma borboleta de asas azul-esverdeadas, comum nas florestas brasileiras. Ela esvoaça de modo bonito e caprichosos, mudando de rumo, leve, delicada, brincando nos ares, iluminada por um raio de sol, reluzindo como uma jóia, pousando aqui e ali sobre as flores ridentes. Deus as terá criado por causa de sua função utilitária ou sobretudo em virtude de sua formosura?
Em última análise, a pergunta é esta: qual a razão de ser de tantas maravilhas espalhadas pelo universo?

A doutrina católica nos responde. É desejo do Criador que o homem, amando na Terra os seres que simbolizam a infinita pulcritude d'Ele, prepare sua alma para o Céu, onde iremos contemplá-Lo por toda a eternidade. Suponhamos que devêssemos nos apresentar a um rei de extrema imponência, capacidade, inteligência e educação. Não gostaríamos de dispor nossa alma para esse encontro, considerando antes um manequim desse monarca, para nos familiarizar com ele?
Pois não há rei na Terra comparável, nem de longe, a Deus infinito e perfeitíssimo. Portanto, contemplá-Lo face a face supõe uma preparação feita, em grande parte, considerando as pessoas virtuosas, admirando as coisas belas, etc., que existem para espelhar a Ele no universo.
Assim, o homem que almeja amar a Deus e se assemelhar a Ele, deve ter o espírito sensível à beleza.

Por que conduz a Deus, o belo é perseguido

Esses pensamentos gerais têm como corolário esta constatação: como tudo quanto é legitimamente belo conduz a Deus, é natural que a Revolução tenha procurado ao longo dos séculos diminuir e até eliminar a beleza no mundo.
Para nos atermos ao exemplo dos trajes, veremos que estes decaíram nos seus aspectos graciosos a partir de certa época, notadamente após a Revolução Francesa de 1789. Com efeito, basta não ter um espírito faccioso levado ao delírio para reconhecer que as maneiras, os palácios, os objetos de arte e demais manifestações de cultura e bom-gosto existentes antes da Revolução Francesa eram mais bonitos do que os surgidos após aquele período.
Quanto às vestimentas, apresentavam-se em formas lindíssimas, sedas maravilhosas, veludos magníficos, tecidos com freqüência ornados de jóias esplêndidas. Se os compararmos com as roupas de hoje, vestidos em forma de tubo ou canudo, que diferença!
O trato e boas maneiras, tão afins com o modo de se trajar, tiveram seu auge na Europa de meados do século XVIII, sintetizados pelos três dons que o povo francês, mais do que outros, cultivava esplendidamente: os savoir dire, savoir faire, savoir plaire – saber dizer, saber fazer e saber agradar. Esse requinte de beleza recebeu um duro golpe com a Revolução de 1789, e a partir daí não se verificou senão apoucamento e diminuição, que podem ser comprovados através de pinturas, esculturas, etc. É um fato incontestável.